Como ter acesso à cannabis medicinal no Brasil: opções legais e desafios
- Emsí
- 28 de fev.
- 6 min de leitura
Introdução: A cannabis medicinal vem se tornando uma alternativa terapêutica importante no Brasil, especialmente para condições como epilepsia refratária, dores crônicas, autismo e outras doenças. No entanto, muitos pacientes e familiares ainda enfrentam dúvidas sobre como ter acesso à cannabis medicinal de forma legal no país. Neste post, explicamos as principais opções legais de acesso disponíveis e os desafios que os pacientes encontram nesse percurso. O objetivo é oferecer um conteúdo técnico, porém acessível, esclarecendo caminhos e obstáculos para quem busca tratamentos à base de cannabis.

Opções legais de acesso à cannabis medicinal no Brasil
Atualmente, existem algumas maneiras regulamentadas de obter cannabis medicinal no Brasil. É fundamental ter acompanhamento médico e seguir as normas vigentes. As principais opções legais são:
1. Medicamentos de cannabis em farmácias autorizadas
Desde 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permite a venda de produtos à base de cannabis em farmácias e drogarias autorizadas. A Resolução RDC 327/2019 criou a categoria de “produtos de cannabis” para uso medicinal, possibilitando que empresas obtenham autorização sanitária para comercializar óleos e extratos de cannabis no Brasil, mesmo sem registro como medicamento convencional.
Em poucos anos, a Anvisa autorizou vários produtos à base de cannabis (principalmente óleos com canabidiol (CBD)isolado ou com baixos teores de tetra-hidrocanabinol (THC)). Há inclusive um medicamento registrado – o Mevatyl® (spray bucal de CBD+THC, conhecido como Sativex) – aprovado para tratar espasticidade em esclerose múltipla. Para adquirir qualquer um desses produtos na farmácia, o paciente precisa de uma prescrição médica de controle especial (tipo B ou tipo A, conforme a concentração de THC). Com a receita em mãos, é possível encomendar ou comprar o item na farmácia autorizada. Vale lembrar que nem todas as farmácias mantêm esses produtos em estoque, mas podem solicitá-los aos distribuidores após a apresentação da receita.
2. Importação excepcional com autorização da Anvisa
Outra forma de acesso é a importação direta de produtos de cannabis, mediante autorização excepcional da Anvisa. Essa via é utilizada principalmente quando o produto necessário não está disponível no mercado nacional. O processo funciona da seguinte maneira: o paciente consulta um médico e obtém uma receita do produto de cannabis indicado (com dosagem, concentração e fabricante estrangeiro). Com a prescrição e laudos em mãos, o paciente (ou responsável) se cadastra no portal da Anvisa e solicita uma autorização de importação para uso pessoal.
Após a análise e aprovação pela Anvisa, o paciente recebe uma autorização nominal para comprar aquele produto no exterior. Em seguida, realiza a compra diretamente do fornecedor estrangeiro, que enviará o produto ao Brasil de acordo com as orientações legais. Na chegada, é preciso apresentar a documentação na alfândega para liberação. Geralmente, a autorização tem validade de alguns meses a um ano, sendo necessário renová-la periodicamente caso o tratamento continue. Apesar da burocracia envolvida, a importação tem sido a salvação para milhares de pacientes brasileiros que dependem de produtos ainda não disponíveis internamente.
3. Associações de pacientes
Diante da demanda e do alto custo dos produtos comerciais, associações de pacientes surgiram para facilitar o acesso à cannabis medicinal. Essas entidades sem fins lucrativos reúnem pacientes e familiares e, em alguns casos, conseguiram na Justiça o direito de cultivar cannabis e produzir óleo medicinal para seus associados. O exemplo pioneiro é a Associação Abrace Esperança, na Paraíba, que em 2017 obteve uma liminar judicial para o plantio e fabricação de óleo de cannabis, atendendo pacientes com condições graves como epilepsia.
Outras associações em diferentes estados seguiram esse modelo, obtendo autorizações judiciais similares ou operando sob salvo-condutos que impedem sua punição. Por meio dessas associações, os pacientes cadastrados (com laudo e receita) podem receber o óleo de cannabis a um custo bem mais baixo do que no mercado privado. Essa é uma opção especialmente valiosa para famílias de baixa renda. No entanto, as associações enfrentam riscos e limites: suas permissões dependem de decisões judiciais (muitas vezes temporárias) e elas são fiscalizadas de perto para garantir que a produção seja destinada apenas a fins medicinais. Ainda assim, cumprem um papel social fundamental ao ampliar o acesso de maneira coletiva.
4. Cultivo próprio com habeas corpus (autocultivo medicinal)
Como última alternativa legal, alguns pacientes recorrem ao cultivo caseiro da cannabis para uso medicinal, amparados por decisões judiciais individuais. Por meio de habeas corpus, esses pacientes obtêm um salvo-conduto que os autoriza a plantar cannabis em casa e extrair o óleo para tratamento, sem risco de serem presos. Já existem diversos precedentes favoráveis nos tribunais brasileiros. Em 2022, por exemplo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concedeu salvo-conduto a três pacientes, reconhecendo que, diante de prescrição médica e do alto custo da importação, o autocultivo para fins terapêuticos era legítimo para garantir o direito à saúde.
Para conseguir essa permissão, o paciente (via advogado ou defensor público) apresenta um pedido judicial com laudos, receita e provas de que já utiliza cannabis medicinal e de que as vias oficiais não são viáveis em seu caso. Se o juiz concede o habeas corpus, a decisão delimita quantas plantas podem ser cultivadas e exige que o uso seja exclusivamente pessoal e medicinal. Embora essa seja uma solução individual que exija dedicação (é preciso aprender a cultivar e manipular a planta), tem se tornado uma saída importante para quem não consegue acesso de outra forma.
Desafios para o acesso à cannabis medicinal
Apesar dos avanços, os pacientes ainda enfrentam vários desafios para obter cannabis medicinal legalmente:
Custos elevados
O alto custo dos produtos é um dos maiores entraves. Os óleos de CBD disponíveis em farmácias são caros (podendo chegar a milhares de reais por frasco) e importar por conta própria envolve gastos em dólar e taxas. Poucas famílias conseguem arcar com esse tratamento de forma contínua, o que gera desigualdade de acesso. Muitas recorrem a campanhas de arrecadação, ações judiciais contra o Estado para tentar obter o medicamento via SUS, ou às associações de pacientes em busca de alternativas mais acessíveis. Enquanto a produção nacional em escala não ocorrer, os preços tendem a permanecer elevados, tornando a cannabis medicinal quase um artigo de luxo no Brasil.
Burocracia e demora
Conseguir acessar legalmente envolve burocracia significativa. Encontrar um médico prescritor pode ser difícil, pois nem todos os profissionais estão familiarizados ou confortáveis em indicar cannabis. Depois, há formulários, cadastros e autorizações que tomam tempo: o trâmite na Anvisa para importar pode levar semanas, e a liberação na alfândega também pode atrasar. Para um paciente com doença grave, essa demora é um obstáculo sério. Mesmo no caso de produtos em farmácia, é necessário obter receita especial em múltiplas vias, o que torna o processo mais complexo. Todo esse cenário burocrático exige perseverança das famílias e pode ser desanimador para quem já lida com problemas de saúde debilitantes.
Desinformação e estigma
Ainda existe desinformação sobre o uso terapêutico da cannabis, tanto entre profissionais de saúde quanto na sociedade. Muitos médicos não tiveram contato com o tema em sua formação e, por desconhecimento ou preconceito, hesitam em prescrever cannabis medicinal. Socialmente, embora o assunto esteja mais presente na mídia, parte da população ainda associa cannabis unicamente a uma droga ilícita, gerando estigma contra pacientes que utilizam o óleo medicinal. Há casos de famílias que preferem não divulgar o tratamento por receio de julgamento. Essa mentalidade vem mudando gradualmente conforme surgem mais evidências científicas e relatos positivos, mas o tabu ainda não foi completamente superado.
Oferta limitada de produtos
A falta de uma produção nacional ampla significa que a variedade de produtos de cannabis medicinal no Brasil ainda é limitada. Nas farmácias, há poucos tipos disponíveis e, em sua maioria, com formulações parecidas (principalmente óleos de CBD isolado). Produtos com diferentes proporções de canabinoides ou extratos de espectro completo são difíceis de encontrar legalmente, mesmo que alguns pacientes se beneficiem mais dessas opções. Além disso, a dependência de importação pode causar atrasos e até desabastecimento. Enquanto não houver cultivo e fabricação internos autorizados, a disponibilidade seguirá restrita.
Conclusão: Obter acesso à cannabis medicinal no Brasil ainda pode ser um caminho complexo, mas comparado a uma década atrás houve avanços importantes – hoje existem caminhos legais diversos (medicamentos em farmácia, importação, associações e cultivo autorizado). A tendência é que esse acesso se torne cada vez mais viável conforme aumenta a conscientização médica, caem os tabus e as leis evoluem. Para os pacientes e familiares, buscar informação de qualidade e apoio especializado é fundamental para navegar pelas opções disponíveis e superar os obstáculos rumo a um tratamento eficaz e digno com cannabis medicinal.
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